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Provocações

SERÁ QUE DÁ

PRA FAZER DIGITAL?

Pedro Piovan

12 de março de 2021

Environmentalism

É uma pergunta que me faço todos os dias. Muito se ganha ao entrar no modelo digital, e muito se perde. Vou elencar algumas perguntas a mais que me faço, depois dessa primeira que esta no título:

  • O que não dá para ser digital?

  • Quais são os riscos que envolvem a interação humana apenas no ambiente digital?

  • O que estamos perdendo quando vamos para o digital?

  • E quem não pode “ir para o digital”?

  • O digital inclui ou exclui?

  • Estamos perdendo as noções dos limites da era digital?

  • Estamos fazendo das interações humanas algo apenas algorítmico?

 

Tenho tantas outras, mas vou parar por aqui. Confesso que, por mais que trabalhe com inovação e seja de uma geração que já nasceu olhando para o Windows 95 e ouvindo o barulho da rede discada para conectar, eu tenho muitas reticências para entrar 100% ao mundo digital; vou além: não vejo que é saudável, na estrutura de modelos digitais que temos hoje, não ter barreiras entre o analógico e o digital.

A minha intenção com esse Pico é ser um pouco mais pessimista que o Pico anterior e claro, antes de tentar ser conclusivo, serei provocativo com as questões que ainda temos que responder antes de me sentir confortável em aceitar que minha vida analógica e digital são uma só.

Vamos começar pelo primeiro ponto, e talvez um dos mais críticos:

Natureza e digital podem ser simbióticas?

Para muitos de minha geração e das que estão vindo na frente, não há como separar o mundo digital do mundo físico. Eu consigo entender esse raciocínio: “mundo” é uma interpretação do Planeta. Quando olhamos o que esta externalizado no Planeta e interpretamos todos esses conteúdos com base em nossos critérios, vieses, pensamentos e cultura, criamos uma visão de mundo. É por isso, inclusive, que existem vários mundos possíveis. 

Existem pessoas que olham para o ambiente de rede social e formam uma visão de mundo possibilitadora, hiperconectada, que veem todos os benefícios de se ter uma única rede social em seu mundo, a ponto inclusive de ver isso como a solução para inclusão de pessoas sem acesso à informação. Veja por exemplo o projeto do Facebook, Internet.org, que entende como possível conectar o mundo inteiro. 

E claro, também existem pessoas que olham para o ambiente de rede social e formam uma visão de mundo crítica, entendo que de fato todas as promessas de valores envolvidas em sua criação não foram concretizadas (eu faço parte deste grupo, por acaso).

Existem várias formas de interpretar, formar intenções e visões de mundo a partir do que acontece no planeta. E aqui entra meu argumento: muitas dessas visões de mundo só podem existir se partirmos do pressuposto que o planeta não é considerado.

Vou pegar um exemplo para isso: uma visão de mundo que foi muito difundida na ditadura militar, principalmente nos anos 70, foi a de que a Amazônia era algo a ser superado, pois era um impedimento ao progresso; ao invés de biodiversidade, valeria a exploração contínua dos recursos naturais até o esgotamento; ao invés de respeito aos povos originários, valeria criar cabeças de gado em suas terras. 

Esse é um ótimo exemplo de como uma visão de mundo só pode existir com a exclusão do planeta. Conseguem ver o problema? 

A partir do momento em que o mundo exclui o planeta, é inviável a própria criação de mundo; fica uma realidade paralela, dissociada da realidade e, no extremo, alucinada (infelizmente vivemos isso hoje). A partir do momento que isso se torna material, o processo é destrutivo - o plano é destruir o planeta, e com ele, vamos nós.

Não é à toa que grandes bilionários estão planejando vida fora do planeta - suas visões de mundo já destruíram o planeta o suficiente para que não seja possível mais vida. Isso é sinônimo de progresso? Faça sua reflexão.

 

Agora vamos ao núcleo da minha questão aqui: o mundo digital é digital, o planeta não; será que este mundo digital esta matando o planeta?

Vamos a alguns fatos: desde que o mundo digital entrou em voga e se tornou a nova praça, ansiedade, depressão, exclusão e estratificação de classes ficou mais e mais evidente. Não vamos nos enganar: nuvem não é na nuvem mesmo; é um data center em algum país subdesenvolvido possivelmente causando poluição sonora, visual e subemprego. 

Será que a visão de mundo digital comporta o planeta? Vejo poucas pessoas debatendo sobre isso. Me parece que o mundo digital já “superou” o planeta e agora vamos focar em progredir no digital; mas e o planeta?

A escalada de desmatamento, poluição dos oceanos, aquecimento global entre outras preocupações devem ser pauta da discussão do mundo digital. Como podemos fazer do mundo digital uma engrenagem poderosa para tentar reverter esse tipo de impacto, ao invés de distrair?

E aqui vamos ao meu próximo argumento.

 

 

O mundo digital discute sobre o que importa?

Infelizmente acho que não. As discussões do mundo digital estão orientadas a escala de leads, likes, manutenção do ego e principalmente: manutenção e melhora (!) da imagem de atores e atoras que destroem o planeta. 

Enquanto o mecanismo digital poderia ser usado exatamente como um mecanismo de foco, é usada como um mecanismo de distração. Estamos muito distraídos com o stories, o post, Reels, quando na verdade poderíamos estar muito mais focados em fazer deste ambiente um local de debate, troca, força e potência para de fato reverter nosso impacto negativo no planeta.

Se queremos tanto fazer que o mundo digital se funda com o planeta, precisamos mostrar que o digital é um mecanismo que fortalece o planeta, e não o contrário. 

E claro, precisamos partir de um pressuposto muito claro: nem todo mundo esta no digital. 

O que me leva a minha próxima provocação.

O mundo digital discute sobre o que importa?

 

 

 

Elenco alguns aspectos que perdemos:

 

A experiência lisa (digital) nos deixou menos empático

 

Resgato aqui um conceito do Byung, em seu livro A Salvação do Belo. A experiência digital normalmente é lisa, sem atritos, sem chatear ninguém, só oferecendo o que nossos egos infantis “desejam” acessar.

Qualquer atrito gerado, buscamos a exclusão, o cancelamento, etc. Esse tipo de interação nos fez perder a capacidade de debater, de ouvir pontos antagônicos e argumentar; ficou muito fácil de ter relações extremamente superficiais e menos empáticas.

Quanto mais uma experiência digital é lisa, mas superficial e veloz se torna; perdemos a capacidade de ouvir alguém falando por 30 minutos ininterruptos. 

Excluímos pessoas essenciais no debate

As pessoas que mais sofrem com os danos que propomos ao planeta com a nossa visão de mundo digital não estão no digital, e se queremos que o digital seja nosso novo ambiente, excluímos as pessoas mais essenciais do debate. Isso é grave.

Mais uma vez voltamos ao lugar de que as respostas aos problemas do planeta vêm de pessoas que não estão envolvidas de fato com ele, e pior: empurram goela a baixo naqueles que sofrem. 


Perdemos a capacidade de ter epifanias, em um mundo condicional

O mundo digital foi configurado de forma condicional - se isso então aquilo. Infelizmente não foi esse tipo de pensamento que conseguiu originar as maiores inovações do mundo (que inclusive buscam nos salvar dessas visões de mundo destrutivas). 

 

A criatividade não é condicional, pelo contrário; é um constante jogo no vazio somado a geração de repertório com combinações aleatórias que se chocam com possibilidades de futuro. 

 

 

Em um mundo 100% condicional, que é o digital, perdemos a capacidade de imaginar o futuro e fazê-lo acontecer.

 

Perdemos a noção de diferença

Ir ao restaurante é diferente de pedir delivery; um boteco é diferente de uma videoconferência; uma oficina presencial é diferente de remota. Sabe qual é a diferença? O calor, o toque, a sensação de compartilhar o mesmo teto com alguém.

São coisas simples, mas que não podemos esquecer. O planeta não é digital.


Então estamos perdidos?

Minha resposta inicial e irônica é que sim. Mas calma lá viajante, nem tudo esta perdido. Vejo que temos um caminho mais interessante a trilhar. 

Se conseguirmos entender que o planeta é prioritário em relação a nossas visões de mundo, já é um excelente passo. Os mundos que criamos devem servir ao planeta, e ao extremo, as espécies que aqui vivem. Sinceramente vejo que a discussão que temos que ter é: como fazer com que o mundo digital que criamos sirva o planeta? Ou seja: como o digital pode servir as espécies que aqui habitam?

Por uma razão muito simples: se só focarmos no nosso mundo digital, vamos perder a mão com o planeta e daqui a pouco, adeus espécie humana. 

Ou as nossas visões de mundo nos ajudam a evoluir como espécie e nos tirar desse limbo existencial que estamos ou seremos mais uma espécie extinta no catálogo da Terra.

Não conseguimos avançar em quase nada nessa discussão, e o tempo esta acabando. 

 

Então fica aqui o questionamento: como o mundo digital pode te ajudar a ter uma vida mais feliz, saudável, amável e que garanta que tenhamos planeta Terra para nossos filhos, filhas, netos e netas? 

 

Se não conseguirmos, como espécie, prototipar uma resposta rápida para isso, o planeta será mais bem-vindo para as baratas do que para nossa espécie, que será uma figurinha ultrapassada na vida da Terra.

 

Temos algumas dicas para você no Próximo Pico!

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