Por onde você começa quando o assunto é olhar voltado ao usuário?
Desde os tempos de Ensino Médio, passando pela faculdade, a Antropologia é vista pela grande maioria dos estudantes como um dever a ser cumprido. "Eu nunca vou usar isso", "a gente só fica na teoria", são algumas das frases que ouvimos ao longo da nossa jornada acadêmica, que, consequentemente, impacta no olhar do profissional.
São raros os profissionais que exploram a abordagem antropológica para validação de dados referentes ao usuário de seus produtos, serviços ou até mesmo processos internos. Esse talvez seja o principal fator relacionado a tomadas de decisões equivocadas, "inovações" entrópicas, sem sentido para a comunidade.
A inovação deve estar intrinsicamente ligada à antropologia para acontecer.
Observemos cada definição para entender:
Antropologia: "é a ciência que tem como objeto de estudo o ser humano e a humanidade de maneira totalizante" [CARVALHO NUNES, ROSSANA].
Inovação: "é um processo criativo, transformador, que promove ruptura paradigmática, mesmo que parcial, impactando positivamente a qualidade de vida e o desenvolvimento humano" [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico].
A Antropologia, atrelada ao estudo do ser-humano, tem forte ligação com a Inovação, que busca promover uma ruptura positiva voltada exclusivamente ao ser-humano. Não há como ignorar essa conexão.
Para que a inovação aconteça, precisamos usar de abordagens antropológicas para estudar os seres-humanos, seus contextos e suas necessidades, pois a inovação não ocorre sem uma necessidade latente.
É no entendimento da diferença entre dois Universos e suas individualidades, que se conduz a inovação. Daí a relevância que a antropologia tem para a coleta de dados ricos e genuínos. Para inovar, devemos interpretar e construir baseando-se nas pessoas que usam ou estão inseridas em artefatos, serviços e processos.
O ponto de encontro entre a Inovação e a Antropologia é o Design.
Seu olhar empático voltado ao usuário tem como objetivo conceber aplicabilidade mercadológica à abordagem antropológica, consequentemente gerando inovação.
Podemos ilustrar esse pensamento de forma simples trazendo o assunto para o campo da política: há casos em que representantes eleitos não fazem questão de ter um olhar voltado à população e nem valorizam sua participação na tomada de decisões, concentrando a a concepção de novas ideias na mão de um grupo seleto de pessoas com perfis semelhantes, sem ligação com os reais usuários de serviços públicos de educação, saúde e transporte, por exemplo. Deixando para os cidadãos apenas o exercício democrático do voto.
Não podemos esquecer da humanização na hora de inovar. Não se trata só de tecnologia.
A pesquisa Antropológica se diferencia da abordagem "comum" de marketing, pois o usuário não está o tempo todo pensando no produto. Em um trabalho apenas de caráter exploratório, como o de questionários, podemos gerar uma cegueira do que o cliente pensa sobre sua experiência, muito por não saber dizer ativamente suas opiniões. Ao usarmos da observação dentro de seu ambiente para, junto da nossa vivência, para entender suas dores e objeções, conseguimos interpretá-las e captá-las para transformá-las em novas ações.
Vamos a alguns métodos:
A Pesquisa Etnográfica é uma das principais ferramentas da Antropologia para estudo do ser-humano. É a observação direta ao usuário, realizada em seu ambiente natural em que sua experiência com o produto ou serviço ocorre.
"Uma imersão total , um mergulho numa verdadeira aculturação, em que se deve compreender uma sociedade não nas suas evidências exteriores, mas nas significações que os próprios indivíduos expressam por meio de seus próprios comportamentos" [FETTERMAN].
Para que a Pesquisa Etnográfica ocorra, é necessário que cumpram-se alguns pontos:
- Ocorrer em ambiente natural;
- Pode ser munida de entrevistas estruturadas ou não;
- Caráter exploratório;
- Usar de uma amostra segmentada;
- Recrutamento diferenciado das pesquisas tradicionais;
- Preocupação não só com o objeto da pesquisa mas principalmente com a interação no ambiente;
- Envolvimento do pesquisador em um contexto cultural específico;
- Coleta de dados de campo e análise de resultados.
Walking Quizz
Prática sueca, muito usada por designers de serviços, em que o pesquisador prepara um roteiro de entrevistas e aplica andando junto com as vítimas ao mesmo tempo em seu cenário de experiência. Isso permite ter mais profundidade e compartilhamento de informações e conclusões.
Inovação Participativa
Trata-se de envolver os povos dentro da concepção colaborativa, gerando atividades de inovação com sua participação. Nesse contexto, o espectador passa a levar a alcunha de espectator.
Deixo aqui uma provocação: podemos observar um aumento de movimentos em que a inovação, mesmo com sua construção de olhar voltado ao usuário, valorizando as experiências, dores e desejos do ser-humano, acaba por criar situações de distanciamento entre relações interpessoais em seus produtos finais. Como lidar com essas contradições?
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